28 Setembro 2021
No distrito de Steglitz, em Berlim, músicas em farsi podem ser ouvidas na igreja da Trindade. É nessa língua persa, comum a iranianos e afegãos, que o pastor Gottfried Martens, ligado à Igreja Evangélica Luterana Independente, celebra o culto.
A reportagem é de Pierre Jova, publicado por La Vie, 23-09-2021. A tradução é de André Langer.
Desde que ele batizou um imigrante iraniano em 2011, sua paróquia conta com mais de 1.000 refugiados do Irã e do Afeganistão, que chegam convidados de boca em boca. O mês de agosto de 2015, que viu mais de um milhão de requerentes de asilo se estabelecendo na Alemanha, o encorajou a aprender o farsi. “Assimilei tudo com os migrantes”, explica o cinquentenário cheio de energia.
Na igreja, passa-se do farsi para o alemão e até mesmo para o francês. “Eu o aprendi morando nas ruas de Paris!”, conta-nos Hakim, 27, que fugiu de sua aldeia perto de Bamiyan, no Afeganistão. Assim como muitos fiéis, o jovem de origem xiita se converteu ao cristianismo.
“Na minha terra natal, costumava ir todos os dias à mesquita às 4 da manhã. Na Europa, eu queria saber quem era Jesus. Li o Evangelho, frequentei as igrejas... Jesus me deu paz interior”, testemunha com a simplicidade bíblica do convertido. “Maomé é ‘você deve’; Jesus é ‘você pode’! Somente os países cristãos oferecem a paz, o amor e a liberdade”.
Com seu pedido de asilo malsucedido na França, cruzou o Reno com entusiasmo, sem saber que os tempos haviam mudado na Alemanha. “Em 2015, 100% dos refugiados receberam asilo, contra 10% hoje”, lamenta Gottfried Martens.
Seis anos após a crise migratória, Angela Merkel continua associada à fórmula escolhida para responder a esse afluxo brutal de sírios, afegãos, iranianos e curdos: “Wir schaffen das” (“Nós chegaremos lá”). Em julho de 2015, no entanto, a chanceler fez uma estudante palestina de 14 anos chorar na televisão, ameaçada de expulsão.
“Se dissermos 'todos podem vir', não chegaremos lá”, argumentou Angela Merkel na época. Mas algumas semanas depois, em 31 de agosto, ao finalmente anunciar a abertura das fronteiras alemãs, ela tomou uma decisão forte, imprevista, quase inexplicável.
Tendo crescido no Leste, Angela Merkel tinha em mente as outras ondas migratórias que lastimaram a Alemanha? Depois de 1945, 12 milhões de alemães foram expulsos da Prússia e da Tchecoslováquia pelos soviéticos. No verão de 1989, 100.000 deixaram a RDA (República Democrática Alemã, ou Alemanha Oriental) via Hungria. Depois, a partir de 1991, as guerras iugoslavas viram a chegada de centenas de milhares de bósnios, croatas e sérvios.
A queda da URSS também “trouxe de volta” mais de um milhão de Aussiedler, descendentes de colonos alemães que se estabeleceram na Rússia no século XVIII e depois foram deportados por Stalin, que têm dificuldades de se misturar à sociedade alemã, cuja língua eles mal conheciam.
Em um nível menos dramático, a prosperidade da RFA (República Federal da Alemanha) dos anos 1960 levou à imigração econômica de Gastarbeiter (“trabalhadores convidados”) italianos, turcos e iugoslavos. Hoje, a comunidade turca, estimada em quatro milhões de pessoas, é a maior população de origem imigrante na Alemanha.
Os restaurantes de kebabs fazem parte da paisagem, políticos de primeira linha são de origem turca, como Cem Özdemir, eleito ambientalista para o Bundestag em 1994. Além disso, a série cult Türkisch für Anfänger, transmitida em 2006, exalta a mestiçagem germano-turca. A RDA, por sua vez, também acolheu imigrantes cubanos, vietnamitas e africanos, em nome da fraternidade socialista entre os povos.
Este terreno explica a mobilização exemplar da sociedade civil no final de 2015. Lares estão se abrindo em todo o país, indivíduos recebem refugiados em suas casas e as igrejas enviam sua força de ataque de caridade. A generosidade alemã anda de mãos dadas com um sistema que se concentra na integração através do trabalho e da língua.
Assim, o acesso à formação profissional está aberto aos requerentes de asilo. Para poderem permanecer, devem fazer um curso de 100 horas sobre a cultura da Alemanha, e entre 600 e 900 horas de alemão, visando os níveis B1 (comum) e C1 (experiente) para quem deseja retomar os estudos.
Na França, o contrato de integração republicana, iniciado em 2016, prevê 200 horas de língua para estrangeiros admitidos a permanecer, no nível A1 (iniciante), e uma educação cívica de... quatro dias.
Hoje, os números são animadores. No final de 2020, o Instituto de Estudos Econômicos de Berlim estimou que mais de 40% dos refugiados haviam encontrado trabalho ou feito uma formação. “Em 2017, encontrei-me com Angela Merkel e lhe agradeci por sua coragem, conta Gottfried Martens. Para minha surpresa, ela ficou muito envergonhada!”
De fato, a chanceler sofreu um revés a partir de 31 de dezembro de 2015. Naquela noite, imigrantes magrebinos caçaram transeuntes em Colônia, despertando o trauma das violências perpetradas no final da Segunda Guerra Mundial pela soldadesca soviética.
Em 2016, um tunisino cometeu um atentado contra o mercado natalino de Berlim. Logicamente, as eleições de 2017 permitem que os nacionalistas do Alternativ für Deutschland, atraindo os decepcionados da CDU (União Democrática Cristã) e trabalhadores do Leste, entrem no Bundestag.
Esse processo revela um certo mal-estar identitário, expresso em 2010 pelo panfleto de Thilo Sarrazin, A Alemanha se encaminha para a sua derrota, que vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares. Ex-ministro das Finanças do Land de Berlim, membro do conselho executivo do Bundesbank e social-democrata, este diz que o país está a caminho da ruína por tolerar o Islã radical e por não ter mais filhos: 1,54 por mulher em 2019, contra 1,87 na França.
Neste outono, Sarrazin lançou um novo ataque mordaz contra Merkel, qualificando o “Wir schaffen das” de “promessa piedosa”. Além disso, a instrumentalização dos turcos da Alemanha por Recep Tayyip Erdogan está levantando preocupações em todo o outro lado do Reno. A visita triunfante do líder turco a Colônia em 2014 deu origem, indiretamente, ao movimento anti-islâmico Pegida, que é muito forte na ex-RDA.
A partir de 2016, a acolhida se transformou em repressão. Angela Merkel negocia em nome da União Europeia um acordo com a Turquia para impedir o movimento de migrantes, enquanto a Alemanha começa a devolver afegãos.
Gottfried Martens observa, horrorizado, que os convertidos ao cristianismo estão ameaçados de expulsão. “O Escritório Federal para Migração e Refugiados não acredita na sinceridade deles. Eles lhes recusam o asilo depois de fazê-los cair em pegadinhas com perguntas absurdas do tipo: ‘de que doença morreu Martinho Lutero?’ (de um acidente vascular, nota do editor)”.
O pastor nos conta que um dos seus protegidos afegãos, perseguido pelos islâmicos, teve que deixar Berlim. Quanto a Hakim, ele mudou de casa duas vezes para escapar da perseguição de muçulmanos vingativos. “Eles são suspeitos de tqiya (ocultar ou negar suas verdadeiras crenças, nota do editor), embora estes sejam exemplos de fé!”, protesta Gottfried Martens.
A necessária vitalidade cristã foi justamente um dos argumentos invocados por Angela Merkel para não temer a chegada de migrantes de países muçulmanos. “Não temos muito do Islã, temos muito pouco do cristianismo”, disse ela em 2010, respondendo a Thilo Sarrazin.
No dia 2 de setembro de 2015, na Universidade de Berna, Suíça, a chanceler lamentou a fraqueza espiritual de seu próprio país: “Pergunte aos alunos da Alemanha sobre o significado do Pentecostes e você verá que seu conhecimento do Ocidente cristão não é nada bom”. Esta noite, durante a catequese que antecede o culto religioso, Gottfried Martens evoca precisamente o Pentecostes. Hakim repete com convicção seu nome alemão para esta festa: Pfinster. Se você olhar mais de perto, verá que [o Pentecostes] se tornou realidade em Steglitz.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A Alemanha administrou bem a acolhida dos migrantes? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU